22.1.09

SPEL - Uma Herança Ácida

A inexistência de uma adequada gestão de ambiente no sector industrial ao longo das últimas décadas tem levado à deposição indiscriminada de diversos tipos de resíduos industriais, com a consequente contaminação dos solos.

No concelho do Seixal, este problema é agravado pela proximidade à capital, que favorece a criação de fluxos clandestinos de resíduos industriais perigosos e banais, que têm como destino areeiros abandonados e outros terrenos degradados.

Com o intuito de procurar soluções para as situações problemáticas de deposição e abandono de resíduos industriais perigosos, têm sido realizados esforços junto das entidades competentes, particularmente do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e do Ministério da Economia.

Neste sentido, em 2000, com vista a caracterizar a situação do município, estabeleceu-se um protocolo com o Centro de Investigação em Geociências Aplicadas (CIGA), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), no âmbito do qual foi elaborado o Plano Estratégico de Avaliação da Contaminação e Reabilitação dos Solos do Concelho do Seixal (PEACRSCS).

Este plano tem por objectivo o desenvolvimento de uma metodologia de avaliação e hierarquização dos locais que apresentassem maior risco de contaminação dos solos, numa fase preliminar de diagnóstico do estado do ambiente. Deste trabalho resultou um mapa de diagnóstico do estado dos solos do concelho que constitui uma base de decisão para futuros trabalhos de investigação e remediação.

Dos vários locais inventariados pelo estudo, escolheu-se a área afectada pela Sociedade Portuguesa de Explosivos – SPEL que apresenta prioridade máxima.

Durante décadas as águas ácidas e poluídas provenientes da produção de explosivos foram despejadas directamente nos terrenos arenosos onde estava a fábrica e depois eram rapidamente absorvidos pelas areias, contaminando quer solos, quer o aquífero aí existente.

Pretende-se fazer uma abordagem aos efeitos destes contaminantes no ambiente e no Homem, e identificar possíveis soluções que se poderiam aplicar nas áreas contaminadas.


A SPEL exerceu actividade de produção de explosivos no local com cerca de 70 há, em Santa Marta de Corroios, durante cerca de cinco décadas.


Sendo a actividade desta empresa, a produção de explosivos para operações militares, e consequente geração de efluentes contendo ácido sulfúrico, ácido nítrico e nitratos de tolueno despejados directamente em fossas escavadas nas areias, sem sofrerem qualquer tratamento (a existência de lagoas de tratamento de águas residuais data apenas 1998) e outras operações, tais como, a existência de um vazadouro não controlado para resíduos da produção, a queima das lamas geradas no tratamento das águas residuais, ou o armazenamento dos solos contaminados, nos terrenos das instalações, indicam que a contaminação dos solos e das águas subterrâneas atinjam proporções muito elevadas.


Aquando da saída da SPEL deste local, para as novas instalações em Alcochete os processo de eliminação e descontaminação, efectuados por esta empresa, consistiram em:

  • Incineração “controlada” de produtos deteriorados ou fora do prazo no interior das instalações;
  • Queima, após rega com gasóleo, de paredes e outras superfícies susceptíveis de conter resíduos de produtos contaminantes;
  • Remoção de solos escavados em valas com profundidade da ordem dos 1 a 2m e sua colocação em outras áreas no interior das instalações.

No exterior das instalações da SPEL, existem muitos indícios que apontam para a existência de um importante foco de contaminação com origem no seu interior, designadamente:

  • Contaminação detectada em 3 furos particulares (Quinta da Teresinha, areeiro da SOCRABINE e GALP (A2, km 12)) e na lagoa do areeiro abandonado da SOCRABINE; valores que excedem o VMA em sulfatos, nitratos (7 vezes mais), pH (acidez), metais pesados (Pb – chumbo, 46 vezes acima; Mn – manganésio, 120 vezes acima); vestígios de TNT e DNT, que tornam iniludível a origem da contaminação da SPEL;
  • Cor avermelhada nas águas da lagoa da SOCRABINE, nas águas de captações e numa aquacultura no esteiro de Corroios.
Consequências

Os efeitos das descargas efectuadas pela SPEL directamente sobre o solo, originou um grave problema ambiental: a contaminação dos solos e consequentemente a do aquífero livre. Esta contaminação poderá representar diversos riscos para a Saúde Pública, dos quais destaca-se como situação de maior risco seria possibilidade de se beber a água contaminada.

O aquífero não é utilizado para abastecimento da água de consumo, mas no entanto não existe qualquer controle de furos particulares. Além disso, existe também o problema da utilização desta água para rega de hortas, cujos alimentos deverão apresentar valores de contaminantes a cima do dos valores máximos para consumo humana. No entanto, para se poder calcular o risco efectivo seria necessário determinar com rigor todos os poluentes existentes na água, e em que condições.

Podemos também realçar os prejuízos de quem investiu em furos, para depois recolher uma água poluída e dos particulares que são obrigados a pagar dezenas de contos por mês para utilizar água da rede em finalidades que podiam ser supridas através de uma captação própria. A proliferação incontrolada de furos particulares, no entanto, é um problema, em si, para a gestão de aquíferos.



Consequêcias para o Ambiente




Consequêcias para o Homem



Biorremediação

As tecnologias de tratamento de solos contaminados devem ser encaradas como etapas do plano de remediação, já que por vezes não são aplicadas isoladamente mas em combinação sequencial com outras, constituindo os designados “combóios de tratamento” (treatment trains).

As tecnologias de descontaminação podem ser classificadas segundo vários critérios, como por exemplo: objectivo, estado de desenvolvimento, localização do tratamento, processo principal, aplicabilidade aos diferentes tipos de solo, aplicabilidade às classes de contaminantes, destino final dos contaminantes, custos etc.

Os métodos de descontaminação de solos que visam reduzir a concentração e/ou toxicidade dos contaminantes são designados por métodos de tratamento (sentido estrito), enquanto que os que têm como principal objectivo a redução da mobilidade dos contaminantes são chamados métodos de confinamento. Todos são incluídos no conceito lato de tecnologias de tratamento.

Segundo o relatório em estudo, a melhor técnica a utilizar para a descontaminação do local é a Bioremediação. Esta técnica consiste na actividade de microorganismos autóctones ou alóctones que são estimulados através da circulação de soluções aquosas, de modo a promover a degradação dos contaminantes orgânicos ou a imobilização dos inorgânicos. O fornecimento de nutrientes, oxigénio (no caso de processo aeróbio), ou de outros aditivos, constitui um modo de optimizar o processo.

Geralmente utilizam-se galerias de infiltração ou irrigação por aspersores no caso de solos contaminados superficialmente, e poços de injecção quando a contaminação atinge profundidades razoáveis. Este tipo de tratamento biológico tem sido aplicado com sucesso na descontaminação de solos, lamas e águas subterrâneas contaminadas com hidrocarbonetos derivados do petróleo, solventes, pesticidas, conservantes de madeira e outros compostos orgânicos.

Estudos piloto têm demonstrado a eficácia dos processos de degradação anaeróbia no tratamento de solos contaminados com nitrotoluenos (TNT e DDT, por exemplo) e derivados de resíduos de munições.


Conclusão

A continuidade do aumento da contaminação do aquífero devido às actividades antropogénicas do passado e do presente, em particular das industrias transformadoras (na qual de inclui a SPEL), com os mais diversos tóxicos, torna imprescindível o conhecimento do comportamento destes compostos no meio ambiente, de modo a minimizar os riscos para a Saúde Pública e Ambiente.

Urge a descontaminação deste local, para que as consequências da poluição não se tornem nefastas quando o aquífero do qual se retira água para o abastecimento público for atingido.
Uma outra questão que se coloca em todo este processo consiste em definir quem irá pagar por esta despoluição.

O estado tem suportado os custos de limpeza de vários locais com “contaminação histórica”, como a zona da expo98.

A SPEL contribuiu para a despoluição dos solos que serão vendidos para urbanização, mas não se mostra inclinada a contribuir para a eventual despoluição doa aquíferos. E, mesmo que eventualmente participe no esforço financeiro, a factura acabará por pesar no bolso dos contribuintes, pois a empresa é de capital maioritariamente público.


Bibliografia
“Plano Estratégico de Avaliação da Contaminação e Reabilitação dos Solos do Concelho do Seixal”, Relatório Final – Centro de Investigação em Geociências Aplicadas, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. 2001.
Mendes, B; Santos Oliveira, J.F. – Qualidade da Água para Consumo Humano – LIDEL, ISBN: 972-757-274, 2004
Garcia, R. - SPEL deixa herança ácida. Público. 12 de Março 2001.
Quental, N. - A Bioremediação de Solos Contaminados – disponível em http://naturlink.pt (consultado em Novembro, 2005)